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RACISMO RELIGIOSO NÃO

NOTA DE REPÚDIO

RACISMO RELIGIOSNÃO


Vimos por meio desta manifestar nosso repúdio frente à intolerância religiosa, ao racismo religioso, à calúnia e à difamação cometidos contra as/os professores/as da aula magna “EXU: ARTE, EPISTEMOLOGIA E MÉTODO – a lembrança de si mesmo”, organizada pelas professoras Déa Trancoso (UEA), Caroline Barroncas (UEA) e Daniele Franco (UFU), ocorrida em um encontro online no dia 11 de abril, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciência na Amazônia da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

A referida aula teve a participação da pesquisadora Leda Maria Martins (Universidade Federal de Minas Gerais), dos pesquisadores Luiz Rufino (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Rafael Araldi Vaz (Universidade do Planalto Catarinense) e Benjamim Abras (artista interdisciplinar).


A proposta temática teve como objetivo propor reflexões, baseadas em pesquisas científicas consolidadas no campo das ciências humanas, que versam sobre o orixá Exu e as potencialidades epistemológicas de sua presença africana e afro-brasileira. Experimentar Exu como epistemologia e pedagogia autônomas, reconhecíveis e credibilizadas para a produção de conhecimento, valoriza e fortalece saberes e afetos, vínculos comunitários, sentidos e poéticas, concebendo a educação como um projeto amplo, voltado à vida em sua integralidade.

Através de Exu emergem as cosmovisões ancestrais africanas e afro-brasileiras, os saberes de terreiro, as estratégias de afirmação da vida ante os processos de colonização dos corpos e subjetividades, os vínculos com o mundo em sua totalidade, os laços de integração com a natureza e os princípios éticos de reciprocidade e partilha.

Assim, consideramos reprovável e abjeta toda a manifestação, sob o falso argumento da livre expressão, que se valha de qualquer posição de privilégio para atentar contra a liberdade de crença e contra a liberdade de cátedra de docentes  e  pesquisadores,  o  que  demonstra  o  notório desconhecimento do trabalho consolidado dos pesquisadores citados, uma nação típica do negacionismo científico.

Mais ainda, em se tratando de um agente público que, gozando de suas prerrogativas parlamentares, vale-se do seu cargo para proferir acusações caluniosas, levantando falsas suspeitas contra professores/as, como a imputação de crime de coação contra estudantes para a participação na referida aula. Ao propagar o pânico moral, ao apelar para rumores falsos, sem prova e factualidade que os sustente, ao atribuir risco ou perigo ideológico à temática abordada, o que se faz é inflamar o ódio e a perseguição à atividade docente, à pesquisa científica, bem como às religiões de matriz africana.


Trata-se de um discurso sem originalidade e com explícito interesse político, que tão somente retoma a mesma narrativa que busca criminalizar e descredibilizar o livre exercício docente, a qual imputa aos professores e professoras a imagem de inimigos públicos. E, como se não bastasse tamanha agressividade, insulta e estigmatiza as religiões de matriz africana, os povos de terreiro e a população negra, como se estas não fizessem parte da formação da civilização brasileira.

Além da prática de racismo religioso e intolerância religiosa, trata-se de um ataque ao exercício consolidado da pesquisa interdisciplinar em ciências humanas, no campo da educação e da história das religiões e religiosidades, sob o argumento leviano e distorcido do princípio constitucional da laicidade do Estado.


Reafirmamos, assim, o caráter laico do Estado brasileiro, previsto no art. 19, inciso I da Constituição Federal, que veda à União, aos Estados e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou subvencioná-los, bem como embaraçar o funcionamento das religiões. Laicidade não é neutralidade opressora, mas garantia da liberdade religiosa e da pluralidade de crenças e saberes, inclusive no espaço acadêmico. O não reconhecimento das religiões de matriz africana como fontes legítimas de pensamento contribui para a perpetuação de um modelo excludente, racista e hierarquizador do conhecimento.

Os ataques aqui repudiados não constituem apenas manifestações de ignorância e preconceito, mas verdadeiras violações de normas constitucionais, legais e internacionais.


A Constituição de 1988 garante a liberdade religiosa (art. 5º, VI), a liberdade de ensino (art. 206) e a autonomia universitária (art. 207), além de vedar ao Estado qualquer forma de interferência em cultos religiosos (art. 19, I). Ademais, o Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) e da Convenção 169 da OIT (2002), todos instrumentos jurídicos que impõem obrigações específicas de respeito e promoção da diversidade cultural e religiosa, com especial atenção à proteção das comunidades tradicionais afro-brasileiras. Internamente, a Lei nº 10.639/2003, a Lei nº 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial) e a LDB reforçam o dever do Estado de promover a educação antirracista, o reconhecimento das matrizes africanas e a liberdade de cátedra, pilares que são frontalmente afrontados pelos discurso de censura ora repudiado.


Frente a este ato deplorável, afirmamos o nosso compromisso com uma educação pública, laica, plural e emancipadora, com a liberdade docente e com o desenvolvimento da pesquisa científica qualificada, compreendida na relação, no aprendizado e no diálogo com os saberes ancestrais das populações indígenas e afro- brasileiras. Educação comprometida com as/os que foram historicamente espoliadas/os do direito à educação, com os trabalhadores e trabalhadoras, que alicerçaram com suor, sangue e lágrimas as casas-grandes e catedrais da civilização ocidental.

Uma educação engajada, que tenha por centralidade e objetivo o enfrentamento à desigualdade social, de classe, gênero e raça, a denúncia dos processos de apagamento cultural e o genocídio do povo negro e indígena, e que jamais se apequene ante às práticas políticas reacionárias, supremacistas, misóginas, ante ao ódio à diversidade, à diferença e à pluralidade dos modos de vida. .


Em nome da educação, do conhecimento científico, da cultura popular, das religiosidades de terreiro e de seus saberes ancestrais, manifestamos nosso absoluto repúdio a este ataque vil e covarde.

Atenta-se ainda que o uso da máquina pública para a difusão de intolerância e perseguição deve ser apurado pelas instâncias competentes, com a responsabilização devida. Que esse episódio não passe impune, pois calar diante da violência simbólica e institucional contra os saberes e os corpos negros é compactuar com o epistemicídio e com o racismo estrutural. Exigimos o respeito, o reparo e a memória.

28 de abril de 2025


Subscrevem esta nota:

Associações e grupos de pesquisa:

Pastoral Afro-Brasileira

Obatala - Movimento Negro de Lages/SC 

Que Terreiro é Esse?

Matakiterani Associação Cultural

Centro de Direitos Humanos e Cidadania Ir. Jandira Bettoni

Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (COMPIR - Lages/SC) Instituto Movimento Humaniza SC

Núcleo de estudos afro-brasileiros e indígenas (NEABI/UFAM) Laboratório de Religiosidade e Cultura (LARC - UFSC)

CAA - Membros - Comissão da Advocacia do Axé da OAB-RJ

Professores, pesquisadores, parlamentares e artistas: Profa. Dra. Déa Trancoso (UEA)

Profa. Dra. Caroline Barroncas (UEA) Profa. Dra. Daniele Franco (UFU)

Profa. Dra. Leda Maria Martins (UFMG) Prof. Dr. Luiz Rufino (UERJ)

Benjamim Abras (Artista e Pesquisador) Prof. Dr. Rogério Luiz de Souza (UFSC) Prof. Dr. Reinaldo Lindolfo Löhn (UDESC)

Profa. Dra. Renilda Aparecida Costa (UFAM)

Profa. Dra. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (UFSCar) Prof. Dr. Rodrigo Diaz de Vivar y Soler (FURB)

Prof. Me. Artur Rodrigues (Lages-SC) Profa. Dra. Ana Flávia Costa Eccard (UERJ)

Deputada Estadual Luciane Carminatti (SC) Deputado Federal Pedro Uczai (SC) Vereador Bruno Ziliotto (Florianópolis-SC)


CAA - Comissão da Advocacia do Axé da OAB-RJ:

Jordana Teza, Advogada, Professora e Pesquisadora, doutoranda pelo PPGDT/UFRRJ, Membra das Comissões de Direito Constitucional, de Direitos Humanos, de Combate à Intolerância Religiosa e Secretária Adjunta da Comissão da Advocacia do Axé da OAB/RJ.

Mariana Ribeiro, Advogada, Pós Graduada em Direitos Humanos e Direito das Famílias, Membra da Comissão de Combate a Intolerância Religiosa e Segunda Vice Presidente da Comissão de Advocacia do Axé, ambas da OAB/RJ.

Luís Filipe de Paula Campos, Advogado, Sub-procurador Geral da subseção Barra da Tijuca, Membro da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da OAB/RJ, Especialista em Direito Processual Civil, Público e Eleitoral.

Dayane Rodrigues, Advogada, Mestranda pelo PPGDT/UFRRJ, Coordenadora da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa e Secretária da Comissão de Advocacia do Axé, ambas da OAB/RJ.

Ricardo Nunes, Advogado, Especialista em Direito do Trabalho, Cível e Empresarial, Primeiro Vice Presidente da Comissão de Advocacia de Axé da OAB/RJ.

Márcio Dodds Righett Mendes, Graduado em Direito (UCAM), Mestre em Educação (UERJ), Doutor em Filosofia (UERJ), Pós-doutor em Ciência da Religião (UFJF), Pós-doutor em Metafísica (UERJ), Professor de cultura e idioma ioruba (Prolem/Uff), Professor de filosofia ioruba (Proeper/Uerj), membro titular da cadeira 41 da Academia Pan-americana de Letras e Artes, advogado atuante nas pautas de Direitos Humanos, foi Coordenador da Diversidade Religiosa do Município do Rio de Janeiro e Superintendente Estadual de Promoção da Liberdade Religiosa, Presidente da Comissão da Advocacia de Axé da OAB/RJ. Iniciado no Candomblé desde os anos 1980, é Babalorixa do Ilé Àṣẹ Àiyé Ọbalúwáiyé no Rio de Janeiro e fundador do Instituto Orí. Autor de nove livros publicados sobre cultura afro-brasileira: Orí a Cabeça como Divindade (2015), Yorùbá Vocabulário Temático do Candomblé (2017), Ewé a Chave do Portal (2019), Nkọ́ Yorùbá (2020), O Candomblé em Tempos de Crise (2020), A Sala de Aula não cabe no mundo (2021), Abiláyọ̀ Nascido da Alegria (2021), Akin e a Visita de Àrùn (2023) e Filosofia Descolonial do Candomblé Nagô (2024).

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